domingo, 22 de abril de 2007

Foto de Edison e do seu corpo após a Calourada




Um clássico da impunidade no Brasil

23/02/2006

As mortes do calouro de medicina da Universidade de São Paulo - USP Edison Tsung Chi Hsueh, há exatos sete anos – o trote que o matou aconteceu no dia 22 de fevereiro de 1999 - e do índio Galdino Jesus dos Santos, em abril de 1997 em Brasília, têm em comum pelo menos um aspecto: foram causadas por grupos de jovens.

Especialistas costumam dizer que quando um grupo atua unido a mente que pensa é a do grupo, ou seja, isoladamente cada um funcionaria de uma maneira diferente de quando se juntam.O que importa, em ambos os casos, é que a ação de um grupo teve conseqüências que a justiça não pode deixar passar.

No caso do estudante, o trote de recepção dos calouros de medicina da USP do qual ele participou passou muito do limite do aceitável e acabou provocando o afogamento do rapaz em uma piscina na qual mergulharam, simultaneamente, mais de uma centena de estudantes.

Em meio à confusão, à tinta e à sujeira que se soltaram dos corpos dos alunos, originadas de outras atividades do trote, a piscina ficou turva e os jovens presentes nem mesmo notaram que o colega estava morrendo na água. Fitas de vídeo e depoimentos mostraram que as atividades promovidas pela equipe do trote foram exageradas e incluíram atividades constrangedoras e situações humilhantes aos recém-chegados alunos.

Após a morte de Edison foi montada na USP uma comissão para análise jurídica do caso que não acusou os quatro jovens envolvidos na coordenação do trote. Frederico Carlos Jana Neto, Ary de Azevedo Marques Neto, Guilherme Novita Garcia e Luis Eduardo Passarelli Tirico continuaram estudando normalmente na instituição. Frederico chegou a ser preso por cinco dias, depois que foi divulgada na TV uma fita em que ele dizia, em tom de brincadeira, ter assassinado Edison.

Circula pela internet um e-mail avisando para tomar cuidado porque os então estudantes, agora médicos, estão soltos por aí. E consta em um site atualizado pela última vez em 19 de dezembro de 2005 o nome de um deles, Guilherme Novita Garcia, que o e-mail aponta como ginecologista e por isso recomenda que as mulheres "tomem cuidado".

A página é do currículo lattes de um profissional da USP, e o nome de Guilherme aparece na autoria de um artigo publicado em periódico. Seu nome está, também, em uma página da web da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia que apresenta a lista dos aprovados no Tego (o exame para a obtenção do título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia) em 2002.
Tudo indica, portanto, que ele é mesmo um médico em pleno exercício da profissão.

STJ livra de ação acusados de morte de calouro na USP

Quarta, 6 de setembro de 2006, 14h35

Frederico Carlos Jaña Neto, Ari de Azevedo Marques Neto, Guilherme Novita Garcia e Luís Eduardo Passarelli Tirico estão livres da ação penal a que respondiam pela morte de Edison Tsung Chi Hsueh. Eles eram veteranos do curso de Medicina da Universidade de São Paulo e foram acusados de causar a morte por afogamento do calouro durante um trote.

A maioria dos ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou a ação penal em relação a todos os acusados em razão de falta de justa causa a embasar a denúncia.

O crime ocorreu em fevereiro de 1999. A denúncia oferecida pelo Ministério Público informa que os acusados estavam recepcionando os calouros, entre os quais Edison Hsueh. Aplicavam o tradicional trote, após a aula inaugural.

Os calouros foram despojados de seus pertences, amarrados pelos pulsos com barbantes e submetidos a atos como arremesso de ovos, banho de ovo e farinha e pintura no corpo. Depois foram levados para a avenida Dr. Arnaldo, seguindo para a Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz, onde foram lavados com água e sabão em um bosque e, posteriormente, obrigados a entrar na piscina.

Durante os caldos e outras "brincadeiras" que foram aplicadas, acabou ocorrendo o afogamento de Hsueh.

Conforme ressalta o O relator do habeas-corpus, ministro Paulo Gallotti, o que os autos revelam é que tudo não passou de uma brincadeira - "de muito mau gosto" - em festa de estudantes. "A conclusão a que se chega certamente não é aquela pretendida por alguns, mas a verdade é que os autos não contêm elementos suficientes para dar curso à ação penal movida contra os pacientes por homicídio qualificado, isto sem deixar, mais uma vez, de lamentar profundamente a morte trágica do jovem Edison Tsung Chi Hsueh".

A defesa entrou com pedido de habeas-corpus no Tribunal de Justiça paulista pedindo o trancamento da ação pelo reconhecimento de que a denúncia seria inepta (que omite os requisitos legais, ou se mostra demasiado contraditória e obscura, ou em patente conflito com a letra da lei). Como a Justiça paulista indeferiu o pedido, houve o pedido ao STJ.

O relator destacou que, pelas peculiaridades do caso, apreciar a alegação demandaria a avaliação dos elementos que levaram à convicção do Ministério Público ao oferecer a denúncia, sem adentrar o exame das provas.

Segundo o ministro, os depoimentos prestados dão conta de que tanto houve calouros que participaram do trote que não se incomodaram, como houve os que se consideraram humilhados e desrespeitados, mas todos deixam certo que não há como pretender relacionar os acusados com a morte da vítima.

Redação Terra

Sentença no lide

Instituro Gutenberg

A imprensa está estimulando o destempero verbal da polícia e do Ministério Público nas conclusões que precedem as investigações sobre a morte do calouro Edison Tsung-Chi Hsueh em São Paulo.

Edson, de 22 anos, morreu afogado, em 22 de fevereiro, durante um trote em que aproximadamente 100 estudantes entraram ou foram empurrados na piscina do clube dos alunos da Faculdade de Medicina.

A promotora Eliana Passarelli logo concluiu que Edson foi assassinado e anunciou o indiciamento de 200 estudantes como cúmplices do crime. “Estávamos ouvindo os alunos que participaram da festa como testemunhas e agora vamos passar a ouvi-los como suspeitos de um assassinato”, disse ao Estadão.

Logo voltou atrás e passou a falar em homicídio culposo – ou seja, em que não houve a intenção de matar.

A morte do estudante é chocante e inspira restrições à violência dos trotes nas universidades. Se houver culpados, que sejam corretamente identificados e punidos pela Justiça. Mas, antes de mandar a escola inteira para o banco dos réus, os investigadores não podem descartar a hipótese de acidente.

A mídia deve lembrar-se de um tribunal de papel conhecido como Escola Base e acender o sinal amarelo quando autoridades lavram sentenças antes do julgamento. Quando isso ocorre é porque ninguém – imprensa, polícia e promotoria – está fazendo seu trabalho direito.
República - A seção dos estudantes, por Andréa Dip, Camila Gomes, Marília Melhado, Camilo Leal, Maurício Reimberg, Tadeu Breda.

É lamentável que alguns estudantes ainda não saibam brincar. Outra vítima de trote, dessa vez na Universidade de Franca, leva a mais uma discussão sobre o tema. Fomos ouvir um professor universitário, que é contra, e um “trotista” convicto, a favor.

Brincadeira? Todo início de ano é a mesma coisa. As aulas nas universidades começam junto com os trotes. E anualmente ganham as manchetes dos jornais casos de abusos na prática que recebe os novos alunos. Dessa vez foi Tiago Rosa Careta, da Universidade de Franca, de 21 anos, que sofreu queimaduras no pescoço e no couro cabeludo após ser atingido por permanganato de potássio, produto químico usado como bactericida.

Além de casos de agressão física, existem os pedágios (quando os calouros vão pedir dinheiro nos semáforos), a pintura de rostos, ouvidos e cabelos, aulas-trote e atividades específicas de cada universidade. Se são violência ou “parte do processo”, cada um tem uma opinião.

“O trote é um rito de passagem fundamentado num processo de humilhação”, explica o professor Antônio Zuin, do Departamento de Educação da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Zuin é autor do livro O Trote na Universidade, que considera a prática como um reflexo do comportamento dos professores em sala de aula: “O trote se liga visceralmente à ‘soberba intelectual’ dos docentes”.

Para ele, se os castigos físicos não fazem mais parte da realidade da sala de aula, as punições morais ainda estão presentes e podem ser percebidas em atitudes sarcásticas e irônicas, por exemplo. “O veterano encontra na agressão física e psicológica aos calouros a maneira de expressar a humilhação que ele teve de suportar em silêncio diante do docente”, acredita Zuin.

Segundo ele, os primeiros trotes teriam aparecido junto com as primeiras universidades européias, na Idade Média. No Brasil, o primeiro registro de morte de calouro data de 1831, na Faculdade de Direito de Olinda, PE, e o último de 1999, quando o estudante Edison Hsueh foi encontrado morto na piscina do clube da Faculdade de Medicina da USP.

Depois desse episódio (que jamais foi resolvido), o governo do Estado de São Paulo sancionou a lei 10.454/99, que proíbe a realização de trote aos calouros de universidades estaduais quando realizado sob coação, agressão física ou moral ou sob constrangimento.

A lei também recomenda a adoção de medidas preventivas, além de expulsão e sanções penais aos culpados. Mas o trote não acabou. Para Ritchie, conhecido na Unesp pelos trotes que aplicou aos estudantes de veterinária, a prática jamais deveria acabar. “O bixo está indo para um lugar em que já existe algo presente. Então, ele se adapta às situações: ou conquista o ambiente, ou se isola dele.”

Ritchie, que não autorizou a publicação de seu nome verdadeiro, conta que ganhou esse apelido após dançar e cantar, pelado, a música Menina Veneno, em cima de uma mesa na principal lanchonete da cidade. Ele diz que, para as pessoas que olham de fora, é difícil entender a relação que se desenvolve entre estudantes que abraçam a prática do trote. “Pode parecer um sinal de submissão obedecer às ordens de um veterano, mas, para mim, é consideração. Porque o cara brincou comigo quando entrei na faculdade, mas depois me ajudou, foi a pessoa que me acolheu”, explica.

O professor Antônio Zuin concorda que, de fato, o trote integra bastante os que dele participam, como um ritual de aceitação. “Mas é uma integração pela dor e pela humilhação, que acaba produzindo um prazer sadomasoquista nas pessoas, que se legitimam a se vingar, nos próximos novatos, a dor que tiveram de reprimir”, analisa. E completa: “O trote não é uma questão que se restringe ao livre-arbítrio do calouro, porque ele é ameaçado de várias maneiras, principalmente de exclusão”.

Mas Ritchie como faz quando o bixo não quer participar da brincadeira? “A gente pergunta pro cara: ‘Se todos os seus amigos estão brincando, por que você não vai fazer?’ Daí, ele tem o direito de se manifestar, e eu também tenho o direito de falar: não é assim que as coisas funcionam aqui. Existe a vontade dele e a minha. Os grandes problemas saem quando ninguém cede”, ameaça o menino veneno.

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