quinta-feira, 19 de abril de 2007

A segunda chance

Os colegas do calouro morto no trote da Medicina da USP ainda esperam se livrar do estigma

Especiais - Época Online

Eliane Brum
Foto: Raphael Falavigna/Época

No primeiro final de semana de maio, o estudante de medicina da Universidade de São Paulo (USP), Luiz Botelho, de 19 anos, viajou com amigos da namorada. A pergunta, recorrente, não demorou: "Você é da faculdade em que mataram o japonês?" No mesmo dia, Luiz comentou que na piscina da Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz, a Atlética, não era necessário exame médico porque o cloro "matava tudo". A réplica - de péssimo gosto - veio rápido: "Inclusive japonês". No mesmo final de semana, durante uma competição de calouros no Ibirapuera, na capital paulista, outro aluno, Ricardo Nobre, de 20 anos, reencontrou uma colega de curso vestibular. Logo depois do cumprimento, surgiu o ataque: "O que aconteceu naquele dia? Não é possível que você não tenha visto". Ricardo, pela enésima vez nos últimos 15 meses, repetiu a resposta: "Não sei o que aconteceu". A amiga não acreditou.

Luiz e Ricardo integram a turma da Medicina da USP de 1999, o conjunto de 180 alunos que ingressou na mais conceituada faculdade do país no ano passado. Fazem parte de um grupo de estudantes no qual há uma cadeira vazia. Luiz e Ricardo seriam colegas de Edison Tsung Chi Hsueh, o calouro encontrado morto no fundo turvo da piscina da Atlética em 22 de fevereiro de 1999, depois de um trote promovido pelos veteranos. Para Edison, aquele ano letivo não começou. Para os colegas, jamais terminou.


Até hoje, um ano e três meses depois do trote fatal, ninguém foi responsabilizado. A promotora Eliana Passarelli acha que Edison sucumbiu pelas mãos do crime. Promete apresentar nomes até julho. Enquanto prevalece a impunidade, a suspeita paira sobre todos. É mais pesada para os inocentes. Assim prossegue o calvário da turma de 1999. Poderia ter sido um deles a morrer na piscina. Vitoriosos ao inscrever o nome na cobiçada lista de aprovados da Medicina da USP, nunca puderam comemorar.

Filho de um engenheiro e de uma dona-de-casa de Jundiaí, no interior paulista, Lucas quer ser médico desde que cursava o ensino médio. Amargou um ano de cursinho antes de conseguir a aprovação no vestibular da USP. Participou, como vítima, do trote que encerrou a vida de Edison. Descobriu a morte do colega, que não chegou a conhecer, durante um passeio de apresentação à USP, no dia seguinte. Desde então, convive com a tragédia. "Nós nos esforçamos para passar e, de repente, fomos tratados como assassinos. Nem a camiseta da Medicina podíamos usar", resume.

Não há comparação entre a dor que consome a família de Edison e o trauma que assombra a turma de 1999. Mas os calouros do ano que não terminou pagam um preço alto. "Queremos que tudo seja esclarecido", diz Tiago Ferreira, de 19 anos. "Para que acabe." A frase sintetiza o sentimento desses estudantes.


Disponível em:
http://epoca.globo.com/especiais/2anos/educacao.htm

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