domingo, 22 de abril de 2007

Foto de Edison e do seu corpo após a Calourada




Um clássico da impunidade no Brasil

23/02/2006

As mortes do calouro de medicina da Universidade de São Paulo - USP Edison Tsung Chi Hsueh, há exatos sete anos – o trote que o matou aconteceu no dia 22 de fevereiro de 1999 - e do índio Galdino Jesus dos Santos, em abril de 1997 em Brasília, têm em comum pelo menos um aspecto: foram causadas por grupos de jovens.

Especialistas costumam dizer que quando um grupo atua unido a mente que pensa é a do grupo, ou seja, isoladamente cada um funcionaria de uma maneira diferente de quando se juntam.O que importa, em ambos os casos, é que a ação de um grupo teve conseqüências que a justiça não pode deixar passar.

No caso do estudante, o trote de recepção dos calouros de medicina da USP do qual ele participou passou muito do limite do aceitável e acabou provocando o afogamento do rapaz em uma piscina na qual mergulharam, simultaneamente, mais de uma centena de estudantes.

Em meio à confusão, à tinta e à sujeira que se soltaram dos corpos dos alunos, originadas de outras atividades do trote, a piscina ficou turva e os jovens presentes nem mesmo notaram que o colega estava morrendo na água. Fitas de vídeo e depoimentos mostraram que as atividades promovidas pela equipe do trote foram exageradas e incluíram atividades constrangedoras e situações humilhantes aos recém-chegados alunos.

Após a morte de Edison foi montada na USP uma comissão para análise jurídica do caso que não acusou os quatro jovens envolvidos na coordenação do trote. Frederico Carlos Jana Neto, Ary de Azevedo Marques Neto, Guilherme Novita Garcia e Luis Eduardo Passarelli Tirico continuaram estudando normalmente na instituição. Frederico chegou a ser preso por cinco dias, depois que foi divulgada na TV uma fita em que ele dizia, em tom de brincadeira, ter assassinado Edison.

Circula pela internet um e-mail avisando para tomar cuidado porque os então estudantes, agora médicos, estão soltos por aí. E consta em um site atualizado pela última vez em 19 de dezembro de 2005 o nome de um deles, Guilherme Novita Garcia, que o e-mail aponta como ginecologista e por isso recomenda que as mulheres "tomem cuidado".

A página é do currículo lattes de um profissional da USP, e o nome de Guilherme aparece na autoria de um artigo publicado em periódico. Seu nome está, também, em uma página da web da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia que apresenta a lista dos aprovados no Tego (o exame para a obtenção do título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia) em 2002.
Tudo indica, portanto, que ele é mesmo um médico em pleno exercício da profissão.

STJ livra de ação acusados de morte de calouro na USP

Quarta, 6 de setembro de 2006, 14h35

Frederico Carlos Jaña Neto, Ari de Azevedo Marques Neto, Guilherme Novita Garcia e Luís Eduardo Passarelli Tirico estão livres da ação penal a que respondiam pela morte de Edison Tsung Chi Hsueh. Eles eram veteranos do curso de Medicina da Universidade de São Paulo e foram acusados de causar a morte por afogamento do calouro durante um trote.

A maioria dos ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou a ação penal em relação a todos os acusados em razão de falta de justa causa a embasar a denúncia.

O crime ocorreu em fevereiro de 1999. A denúncia oferecida pelo Ministério Público informa que os acusados estavam recepcionando os calouros, entre os quais Edison Hsueh. Aplicavam o tradicional trote, após a aula inaugural.

Os calouros foram despojados de seus pertences, amarrados pelos pulsos com barbantes e submetidos a atos como arremesso de ovos, banho de ovo e farinha e pintura no corpo. Depois foram levados para a avenida Dr. Arnaldo, seguindo para a Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz, onde foram lavados com água e sabão em um bosque e, posteriormente, obrigados a entrar na piscina.

Durante os caldos e outras "brincadeiras" que foram aplicadas, acabou ocorrendo o afogamento de Hsueh.

Conforme ressalta o O relator do habeas-corpus, ministro Paulo Gallotti, o que os autos revelam é que tudo não passou de uma brincadeira - "de muito mau gosto" - em festa de estudantes. "A conclusão a que se chega certamente não é aquela pretendida por alguns, mas a verdade é que os autos não contêm elementos suficientes para dar curso à ação penal movida contra os pacientes por homicídio qualificado, isto sem deixar, mais uma vez, de lamentar profundamente a morte trágica do jovem Edison Tsung Chi Hsueh".

A defesa entrou com pedido de habeas-corpus no Tribunal de Justiça paulista pedindo o trancamento da ação pelo reconhecimento de que a denúncia seria inepta (que omite os requisitos legais, ou se mostra demasiado contraditória e obscura, ou em patente conflito com a letra da lei). Como a Justiça paulista indeferiu o pedido, houve o pedido ao STJ.

O relator destacou que, pelas peculiaridades do caso, apreciar a alegação demandaria a avaliação dos elementos que levaram à convicção do Ministério Público ao oferecer a denúncia, sem adentrar o exame das provas.

Segundo o ministro, os depoimentos prestados dão conta de que tanto houve calouros que participaram do trote que não se incomodaram, como houve os que se consideraram humilhados e desrespeitados, mas todos deixam certo que não há como pretender relacionar os acusados com a morte da vítima.

Redação Terra

Sentença no lide

Instituro Gutenberg

A imprensa está estimulando o destempero verbal da polícia e do Ministério Público nas conclusões que precedem as investigações sobre a morte do calouro Edison Tsung-Chi Hsueh em São Paulo.

Edson, de 22 anos, morreu afogado, em 22 de fevereiro, durante um trote em que aproximadamente 100 estudantes entraram ou foram empurrados na piscina do clube dos alunos da Faculdade de Medicina.

A promotora Eliana Passarelli logo concluiu que Edson foi assassinado e anunciou o indiciamento de 200 estudantes como cúmplices do crime. “Estávamos ouvindo os alunos que participaram da festa como testemunhas e agora vamos passar a ouvi-los como suspeitos de um assassinato”, disse ao Estadão.

Logo voltou atrás e passou a falar em homicídio culposo – ou seja, em que não houve a intenção de matar.

A morte do estudante é chocante e inspira restrições à violência dos trotes nas universidades. Se houver culpados, que sejam corretamente identificados e punidos pela Justiça. Mas, antes de mandar a escola inteira para o banco dos réus, os investigadores não podem descartar a hipótese de acidente.

A mídia deve lembrar-se de um tribunal de papel conhecido como Escola Base e acender o sinal amarelo quando autoridades lavram sentenças antes do julgamento. Quando isso ocorre é porque ninguém – imprensa, polícia e promotoria – está fazendo seu trabalho direito.
República - A seção dos estudantes, por Andréa Dip, Camila Gomes, Marília Melhado, Camilo Leal, Maurício Reimberg, Tadeu Breda.

É lamentável que alguns estudantes ainda não saibam brincar. Outra vítima de trote, dessa vez na Universidade de Franca, leva a mais uma discussão sobre o tema. Fomos ouvir um professor universitário, que é contra, e um “trotista” convicto, a favor.

Brincadeira? Todo início de ano é a mesma coisa. As aulas nas universidades começam junto com os trotes. E anualmente ganham as manchetes dos jornais casos de abusos na prática que recebe os novos alunos. Dessa vez foi Tiago Rosa Careta, da Universidade de Franca, de 21 anos, que sofreu queimaduras no pescoço e no couro cabeludo após ser atingido por permanganato de potássio, produto químico usado como bactericida.

Além de casos de agressão física, existem os pedágios (quando os calouros vão pedir dinheiro nos semáforos), a pintura de rostos, ouvidos e cabelos, aulas-trote e atividades específicas de cada universidade. Se são violência ou “parte do processo”, cada um tem uma opinião.

“O trote é um rito de passagem fundamentado num processo de humilhação”, explica o professor Antônio Zuin, do Departamento de Educação da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Zuin é autor do livro O Trote na Universidade, que considera a prática como um reflexo do comportamento dos professores em sala de aula: “O trote se liga visceralmente à ‘soberba intelectual’ dos docentes”.

Para ele, se os castigos físicos não fazem mais parte da realidade da sala de aula, as punições morais ainda estão presentes e podem ser percebidas em atitudes sarcásticas e irônicas, por exemplo. “O veterano encontra na agressão física e psicológica aos calouros a maneira de expressar a humilhação que ele teve de suportar em silêncio diante do docente”, acredita Zuin.

Segundo ele, os primeiros trotes teriam aparecido junto com as primeiras universidades européias, na Idade Média. No Brasil, o primeiro registro de morte de calouro data de 1831, na Faculdade de Direito de Olinda, PE, e o último de 1999, quando o estudante Edison Hsueh foi encontrado morto na piscina do clube da Faculdade de Medicina da USP.

Depois desse episódio (que jamais foi resolvido), o governo do Estado de São Paulo sancionou a lei 10.454/99, que proíbe a realização de trote aos calouros de universidades estaduais quando realizado sob coação, agressão física ou moral ou sob constrangimento.

A lei também recomenda a adoção de medidas preventivas, além de expulsão e sanções penais aos culpados. Mas o trote não acabou. Para Ritchie, conhecido na Unesp pelos trotes que aplicou aos estudantes de veterinária, a prática jamais deveria acabar. “O bixo está indo para um lugar em que já existe algo presente. Então, ele se adapta às situações: ou conquista o ambiente, ou se isola dele.”

Ritchie, que não autorizou a publicação de seu nome verdadeiro, conta que ganhou esse apelido após dançar e cantar, pelado, a música Menina Veneno, em cima de uma mesa na principal lanchonete da cidade. Ele diz que, para as pessoas que olham de fora, é difícil entender a relação que se desenvolve entre estudantes que abraçam a prática do trote. “Pode parecer um sinal de submissão obedecer às ordens de um veterano, mas, para mim, é consideração. Porque o cara brincou comigo quando entrei na faculdade, mas depois me ajudou, foi a pessoa que me acolheu”, explica.

O professor Antônio Zuin concorda que, de fato, o trote integra bastante os que dele participam, como um ritual de aceitação. “Mas é uma integração pela dor e pela humilhação, que acaba produzindo um prazer sadomasoquista nas pessoas, que se legitimam a se vingar, nos próximos novatos, a dor que tiveram de reprimir”, analisa. E completa: “O trote não é uma questão que se restringe ao livre-arbítrio do calouro, porque ele é ameaçado de várias maneiras, principalmente de exclusão”.

Mas Ritchie como faz quando o bixo não quer participar da brincadeira? “A gente pergunta pro cara: ‘Se todos os seus amigos estão brincando, por que você não vai fazer?’ Daí, ele tem o direito de se manifestar, e eu também tenho o direito de falar: não é assim que as coisas funcionam aqui. Existe a vontade dele e a minha. Os grandes problemas saem quando ninguém cede”, ameaça o menino veneno.

Disponível em:

Saiba quais foram os trotes violentos que ficaram na história

da Folha de S.Paulo

03/02/2003 - 06h05


Alguns trotes violentos tiveram grande repercussão durante muitos anos. O último a estar em destaque na mídia foi em 99, quando o calouro da Faculdade de Medicina da USP, Edison Hsueh, foi encontrado morto na piscina da associação atlética dos alunos, no dia seguinte a um churrasco oferecido pelos veteranos.

Veja abaixo uma cronologia de outros casos que ficaram na história:

- Março de 1980 - O calouro da Universidade de Mogi das Cruzes Carlos Alberto de Souza morre devido a socos na cabeça em um trote. Ele reagiu quando os veteranos tentavam cortar seu cabelo à força

- Março de 1990 - O estudante de direito George Araguaia Parreira Mattos, 23, tem uma parada cardíaca e morre quando tentava fugir de trote, em Rio Verde (Goiás)

- Fevereiro de 1991 - O aluno da 8ª série da Fundação Instituto Tecnológico de Osasco Júlio César de Oliveira, 16, morre depois de receber três golpes de tesoura ao reagir a um trote.

- Abril de 1992 - O estudante de economia Alexandre Spencer Vasconcelos, 20, é expulso da Puccamp por ter praticado trote violento contra José Ricardo Ribeiro Pinto, 23, que sofreu fratura na mandíbula, amnésia e teve de passar por cirurgia

- Março de 1993 - O estudante Ugo Luís Boatttini Jr., 19, abandona a vaga no curso de engenharia que conquistou na Unesp de Guaratinguetá depois de passar por trote violento. Ele teve um peso de sete quilos preso aos seus órgãos genitais, entre outras agressões

- Março de 1998 - O estudante Rodrigo Favoretto Cañas Peccini, 19, foi internado no Hospital Regional de Sorocaba (SP) depois de ter sido queimado por companheiros da Faculdade de Medicina da PUC-SP durante um trote

- Fevereiro de 1999 - O calouro Edison Hsueh foi encontrado morto dentro da piscina da Associação Atlética Oswaldo Cruz, o clube dos alunos da Faculdade de Medicina da USP, na manhã seguinte ao churrasco de recepção dos aprovados no vestibular.


Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u12477.shtml

sábado, 21 de abril de 2007

ENTREVISTA

Séculos de violência no campus

Um filósofo gaúcho estudou a história do trote universitário, as suas conseqüências e hoje é um crítico mordaz do ritual

Paulo Denisar Fraga escapou do trote quando entrou no curso de Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria, em 1988. Veterano, mergulhou no assunto. Em 1993, escreveu A Violência no Escárnio do Trote Tradicional, uma pesquisa alentada sobre o tema da humilhação dos calouros.

Época
: Por que o senhor é contra o trote?
Paulo Denisar Fraga: Eu sou contra a violência. Os rituais têm o papel de preservar a cultura existente nas sociedades, mas o trote é o avesso disso. Ele não conserva a cultura, a ciência e a razão, as bases da universidade. Também perverte o sentido da alegria. O trote inicia na barbarização e contraria a essência da relação pedagógica, que é educar os novatos. Eles são execrados, sofrem o escárnio e o deboche.

Época
: Quando surgiu o trote?
Fraga: Talvez na Antiguidade, mas na Idade Média teve seu momento de glória. Os estudantes que vinham da área rural eram batizados pelos do mundo urbano. O primeiro caso violento registrado no Brasil é de 1831. O calouro de Direito Francisco Cunha e Menezes foi morto a facadas no Recife. Em Portugal, sempre foi uma tradição. O grupo Rancho da Carqueja ficou famoso no século 18, na Universidade de Coimbra. Depois se transformou num bando de criminosos. O trote é um batismo de fogo.

Época
: Por que ele sobrevive?
Fraga: Porque é a expressão e o reforço da estratificação social. Como nós vivemos num mundo em que o trabalho intelectual vale muito mais que o manual, mesmo um calouro vestido de palhaço pode exibir na praça seu novo status. Um universitário é supostamente superior ao cidadão que não teve essa oportunidade. O trote sobrevive porque os calouros aceitam e repetem as idéias dos veteranos.

Época
: Qual é a relação entre o tipo de curso e a violência?
Fraga: Os trotes mais violentos ocorrem nos cursos que têm mais status na universidade. O tributo é mais alto para entrar nesses feudos.

Época
: Ele sempre foi agressivo?
Fraga: A violência é ocultada pelo peso da tradição. No nosso país, nos anos 60, com o movimento estudantil, o trote foi uma forma de contestação social. Os calouros eram convidados para manifestações a favor das reformas de base ou em defesa da universidade pública. Em 1968, quando o AI-5 fechou o Congresso, o trote foi reprimido. Houve a degeneração de sua versão cultural para a violência de hoje.

Época
: Qual a semelhança entre o trote e a iniciação nos quartéis?
Fraga: Pode-se supor que a vida universitária é diferente da dos quartéis. Quando os soldados ficam em forma e gritam palavras de ordem, estão desenvolvendo sua agressividade. No trote, a universidade fica próxima dessa experiência. Os veteranos também colocam os calouros em filas e gritam ordens, sustentando sua superioridade.

Época
: Por que os diretores das universidades fazem vistas grossas ao trote?
Fraga: Porque ele está escorado num lastro de tradição histórica. As autoridades se colocam acima do problema. Tem havido uma extraordinária dificuldade de saber o que aconteceu no caso do Edison Hsueh, calouro morto no trote da Faculdade de Medicina da USP. O temor de falar da morte de um colega, de um igual, mostra o quanto o trote é violento. Ele se sustenta na ameaça e promove o terror.
Andréa Barros

PERFIL
PAULO DENISAR FRAGA

Nascimento

13/3/68, em São Sepé, Rio Grande do Sul

Formação
Licenciado em Filosofia pela UFSM e mestrando na Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.

Histórico das mortes

A primeira vítima do trote no Brasil morreu há 160 anos. Houve outras: 1980 Carlos Alberto de Souza,20 anos, entrou em Jornalismo na Universidade de Mogi das Cruzes. Faleceu com traumatismo craniano. 1990 George Mattos, 23 anos, estudante de Direito em Goiás, teve parada cardíaca quando fugia do trote.


Disponível em:
http://epoca.globo.com/edic/19990510/soci2.htm

Existem notícias que não podem cair no esquecimento

Fantástico
ARQUIVO VIVO

06.03.2005

O caso do estudante morto durante trote na faculdade

Manhã de 23 de fevereiro de 1999. O corpo do calouro Édson Suê, de 22 anos, é encontrado no fundo da piscina do clube da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. No dia anterior, o estudante participou do trote aos novatos da escola. Édson caiu na piscina por acidente ou foi jogado?

“Para nós, tanto faz se ele foi empurrado ou não empurrado. Na verdade ele foi compelido a entrar na água sem querer. E ele não sabia nadar”, argumenta a promotora Eliana Passarelli. O processo criminal tem mais de duas mil páginas. São 14 volumes com depoimentos de calouros e veteranos que participaram do trote. Alguns estudantes relataram cenas de bebedeira e ações violentas durante a festa. Como o batismo na piscina.

“O final do trote era um ritual: eles eram todos submersos na água, numa piscina que é semi-olímpica com cinco metros de profundidade quase”, diz a promotora.

Quatro veteranos foram acusados de homicídio qualificado por asfixia. Para o Ministério Público, eles assumiram o risco de morte, pelas atitudes tomadas, antes do afogamento de Edson.

“É lamentável que isso tenha acontecido, mas também é lamentável que quatro pessoas tenham sido acusadas de um homicídio sem nenhum indício”, alega Guilherme Batochio, advogado dos acusados.

A sindicância instaurada pela USP concluiu que os quatro veteranos não tiveram relação com a morte de Edson. No dia 4 de fevereiro deste ano veio a decisão final: o STJ determinou o trancamento da ação penal por falta de justa causa.

“Nós não temos fundamentação do STJ, só um telegrama vindo de Brasília comunicando que não poderíamos mais prosseguir nessa ação. Foi interrompida e ponto final. Não podemos fazer mais nada”, lamenta Mildred Manpi, promotora.

Os pais de Édson estão arrasados com a decisão da justiça e não querem mais falar sobre o assunto. Para eles, restou um consolo: trote violento na medicina da USP, nunca mais.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Testemunha demitida

Istoé

Nº 1542 – 21 de abril de 1999

LUISA ALCALDE


"Eu era funcionário da universidade, trabalhava como analista de rede e frequentava a Atlética. No dia da morte do Edison, cheguei por volta das 18 horas junto com um amigo, o Ronaldo.

Estava frio e escuro. No bar, ao lado da piscina, havia alguns alunos embriagados. Minutos depois, chegaram outros três estudantes, dois loiros e um moreno.


Com eles, estava um calouro, visivelmente bêbado. O garoto foi abraçado por um dos veteranos, que pulou na água com ele. Depois de uns dois ou três minutos, eles reapareceram. Chegando, pegaram um tênis, jogaram na água e mandaram o calouro pegá-lo.


Nesse momento nós interviemos. Os três saíram com o garoto. Meia hora depois, o calouro retornou, em estado pior. Estava trêmulo e perguntou como chegar a uma rua vizinha, mas não entendeu a explicação.

Demos café para o menino e o Ronaldo o levou para a pensão onde estava hospedado. No outro dia, fui correr bem cedo na Atlética e contei a alguns amigos o que havia acontecido na véspera.


Na quarta-feira, o diretor da faculdade me ligou e pediu que prestasse depoimento. Fui. Dias depois, me demitiram, alegando corte de pessoal."


Disponível em: http://www.terra.com.br/istoe/especial/154216.htm

"Que médicos eles serão?"

Revista Época entrevista Eliana Passarelli (em pé), a Promotora do caso insiste na tese do assassinato

As promotoras Eliana Passarelli e Maria Amélia Nardy Pereira, ambas do V Tribunal do Júri de São Paulo, foram designadas pelo Ministério Público para acompanhar o caso da morte do calouro Edison Tsung Chi Hsueh. Para Eliana Passarelli, o laudo do IML mostra que o estudante foi vítima de um trote assassino.

Época
: O que leva a senhora a crer que Edison Tsung Chi Hsueh foi assassinado?
Eliana Passarelli: Ele não sabia nadar. Portanto, é loucura imaginá-lo se atirando espontaneamente na água. O laudo do IML constatou que o estudante se debateu durante alguns minutos. Está claro que foi forçado a cair na piscina. Tivemos a informação, ainda, de que alguém teria telefonado para a Associação Atlética, onde fica a piscina, na madrugada do crime. Por que ligaria? Certamente por saber que o corpo jazia na água.

Época
: Está descartada a hipótese da ocorrência de um mero acidente, sem testemunhas oculares?
Eliana: Não podemos descartar nada. Mas seguramente alguém teria visto o estudante se debatendo na água e o ajudaria. O laudo indica que ele morreu entre 12h e 16h, quando a grande maioria dos alunos ainda estava ao redor da piscina. Que futuros médicos serão esses que não percebem que uma pessoa está morrendo afogada? Pior: se perceberam, como confiar, no futuro, em profissionais que não deram o devido socorro a alguém sob risco de vida? Ora, serão médicos...

Época
: Até agora, os estudantes têm afirmado em seus depoimentos que nada viram. Como será possível identificar os responsáveis pela morte?
Eliana: O advogado contratado pelos calouros, Guilherme Battochio, orientou-os para nada dizer. Eles passam pelo escritório do advogado antes de ir à polícia. É por isso que os depoimentos têm sido tão iguais e vazios. Evidentemente, não podemos processar todos os mais de 100 estudantes que estavam no clube, até porque grande parte deles realmente não percebeu nada. Mas precisamos tentar nos aproximar do grupo que esteve próximo de Edison Hsueh antes de sua queda na piscina.

Época
: Se as investigações apontarem alguns nomes, em que tipo de crime poderão ser enquadrados?
Eliana: Homicídio doloso eventual. Ou seja: eles sabiam, nitidamente, que havia o risco de produzir um resultado trágico. É diferente do homicídio culposo, em que não existe a intenção de matar ou ferir. Não estou dizendo que se trata de assassinos que desejavam matar, mas o trote violento traz esse risco.

Época
: Por que a senhora tem reiterado que os estudantes estão escondendo algo?
Eliana: A reação de todos eles é corporativa. Agem assim por medo, legítimo, mas também para não manchar a imagem da faculdade. Precisam ter em mente que, se o caso não for solucionado, uma mancha atrapalhará o futuro profissional da turma de alunos que entrou na faculdade em 1999. No futuro, se eu fosse eventualmente atendida por um desses médicos, teria medo. Cuidado: eles podem te matar.

A segunda chance

Os colegas do calouro morto no trote da Medicina da USP ainda esperam se livrar do estigma

Especiais - Época Online

Eliane Brum
Foto: Raphael Falavigna/Época

No primeiro final de semana de maio, o estudante de medicina da Universidade de São Paulo (USP), Luiz Botelho, de 19 anos, viajou com amigos da namorada. A pergunta, recorrente, não demorou: "Você é da faculdade em que mataram o japonês?" No mesmo dia, Luiz comentou que na piscina da Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz, a Atlética, não era necessário exame médico porque o cloro "matava tudo". A réplica - de péssimo gosto - veio rápido: "Inclusive japonês". No mesmo final de semana, durante uma competição de calouros no Ibirapuera, na capital paulista, outro aluno, Ricardo Nobre, de 20 anos, reencontrou uma colega de curso vestibular. Logo depois do cumprimento, surgiu o ataque: "O que aconteceu naquele dia? Não é possível que você não tenha visto". Ricardo, pela enésima vez nos últimos 15 meses, repetiu a resposta: "Não sei o que aconteceu". A amiga não acreditou.

Luiz e Ricardo integram a turma da Medicina da USP de 1999, o conjunto de 180 alunos que ingressou na mais conceituada faculdade do país no ano passado. Fazem parte de um grupo de estudantes no qual há uma cadeira vazia. Luiz e Ricardo seriam colegas de Edison Tsung Chi Hsueh, o calouro encontrado morto no fundo turvo da piscina da Atlética em 22 de fevereiro de 1999, depois de um trote promovido pelos veteranos. Para Edison, aquele ano letivo não começou. Para os colegas, jamais terminou.


Até hoje, um ano e três meses depois do trote fatal, ninguém foi responsabilizado. A promotora Eliana Passarelli acha que Edison sucumbiu pelas mãos do crime. Promete apresentar nomes até julho. Enquanto prevalece a impunidade, a suspeita paira sobre todos. É mais pesada para os inocentes. Assim prossegue o calvário da turma de 1999. Poderia ter sido um deles a morrer na piscina. Vitoriosos ao inscrever o nome na cobiçada lista de aprovados da Medicina da USP, nunca puderam comemorar.

Filho de um engenheiro e de uma dona-de-casa de Jundiaí, no interior paulista, Lucas quer ser médico desde que cursava o ensino médio. Amargou um ano de cursinho antes de conseguir a aprovação no vestibular da USP. Participou, como vítima, do trote que encerrou a vida de Edison. Descobriu a morte do colega, que não chegou a conhecer, durante um passeio de apresentação à USP, no dia seguinte. Desde então, convive com a tragédia. "Nós nos esforçamos para passar e, de repente, fomos tratados como assassinos. Nem a camiseta da Medicina podíamos usar", resume.

Não há comparação entre a dor que consome a família de Edison e o trauma que assombra a turma de 1999. Mas os calouros do ano que não terminou pagam um preço alto. "Queremos que tudo seja esclarecido", diz Tiago Ferreira, de 19 anos. "Para que acabe." A frase sintetiza o sentimento desses estudantes.


Disponível em:
http://epoca.globo.com/especiais/2anos/educacao.htm

O calouro da Medicina

Trecho do livro Jornalismo dos anos 90, de Luís Nassif

O trote em que um aluno da Faculdade de Medicina morreu afogado na piscina foi dos exemplos mais flagrantes da irrelevância que tomou conta da mídia. Naquele período, particularmente sensacionalista, que foi 1999. um aluno de origem humilde, o Ceará, foi filmado bêbado em uma churrascaria, simulando uma entrevista em que “confessava” ter sido o autor da morte do colega. Deu a declaração bêbado, claramente simulando a entrevista.

Mesmo assim, tornou-se alvo preferencial da mídia no período. Jornalistas de primeiro time gastaram páginas para malhar o tal Ceará que, da noite para o dia, tornou-se inimigo público número 1. Todas as indicações eram as de que o aluno morreu afogado, sufocado por dezenas de colegas que se atiraram bêbados na piscina.

Não havia nenhuma indicação de um crime ou um criminoso. Mesmo assim, a cobertura da época transformou a Faculdade de Medicina em uma organização quase criminosa, com pactos fantasiosos de silêncio.

02/07/99
O calouro da Medicina

Um dos casos mais exemplares da sede de justiçamento que toma conta da sociedade, e da forma torta e primária a que conduz esse jornalismo de marketing, foi o episódio da morte do calouro no trote da Escola Paulista de Medicina.

Praticamente desde os anos 50, os trotes violentos se incorporaram à rotina das faculdades, gerando desde pequenos atos de estupidez até casos de selvageria explícita. Fora uma outra manifestação de repúdio, nunca se viu um movimento visando erradicar essa extravagância, que serve apenas para satisfazer egos recalcados.

Essa história de que “todos somos culpados” é a maneira mais fácil de não tornar ninguém responsável. Mas quem poderia coibir essas práticas? Não há polícia, visto não haver ilegalidade explícita na prática. Nem mesmo a mídia, que apenas poderia focalizar protestos. A responsabilidade direta é do corpo diretivo das faculdades, a instância que define regras de convivência entre alunos, funcionários e professores como a leniência a essas práticas era nacional. No entanto, há uma responsabilidade difusa da própria sociedade, que as tolerou. – como tolera malhação de Judas e como tolerava a violência das torcidas organizadas, até a morte do torcedor.

Promotora denuncia quatro por morte de estudante na USP em 99

09/02/2001 - 20h09

Promotora do Estado de São Paulo Eliana Passarellli apresentou denúncia no 5º Tribunal do Júri, no Fórum de Pinheiros (zona sudoeste de São Paulo), contra dois médicos e dois estudantes de medicina da USP (Universidade de São Paulo) pela morte do também estudante de medicina Edison Hsueh, em fevereiro de 99.Segundo a denúncia, os quatro cometeram homicídio com dolo eventual, ou seja, assumiram o risco de produzir o resultado de sua ação. Homicídio doloso é quando há intenção de matar.

A denúncia será analisada na segunda-feira pela juíza Maria Lúcia Mendes. Se acolher os argumentos da Promotoria, será aberto processo contra os quatro.Foram denunciados os médicos Frederico Carlos Jana Neto, o Ceará, e Guilherme Novita Garcia _ambos alunos de medicina na época, além dos estudantes Ari de Azevedo Marques Neto e Luís Eduardo Tilico.
"Eu vejo rostos de pessoas saindo de uma cesta e me dizendo coisas que eu não entendo. Meu filho está no meio delas".

Yen Hsueh (mãe de Edison), em entrevista cedida à Revista Istoé, nº 1586, de 23/02/2002


Entenda como tudo aconteceu

Ivan Padilla e Fábio Altman

Edição 247 - 07/02/2003




Em 22 de fevereiro de 1999, às 7 horas da manhã, os calouros assistiram à aula inaugural no teatro da faculdade. Após as palestras do diretor e de representantes da Associação Atlética e do Centro Acadêmico, foram avisados de que não precisariam participar do trote caso não desejassem.
Quase todos aderiram ao ritual. Depois de deixar pertences pessoais como relógios, carteiras e camisetas em sacos plásticos, os estudantes tiveram os pulsos amarrados com barbantes. Bombardeados por ovos, tinta, farinha e violeta genciana, um corante usado em pesquisas de bactérias, seguiram até o busto de Arnaldo Vieira de Carvalho, primeiro diretor e patrono da faculdade, onde cantaram hinos, fizeram reverências e beijaram o chão.



Abusos durante o trajeto foram relatados. Uma das brincadeiras impostas simulava uma partida de boliche. Um calouro, geralmente mais obeso, era a bola e os demais as garrafas. O aluno-bola era obrigado a rolar em direção aos pinos e derrubá-los. Alguns estudantes tiveram o braço engessado com o de um colega. Outros tiveram de fingir praticar sexo com uma árvore. Nas imagens das fitas de vídeo anexadas ao processo, calouros aparecem sendo chutados.


Depois das brincadeiras, os estudantes caminharam até a Associação Atlética. No bosque, foram lavados - os calouros pelas veteranas, as calouras pelos veteranos. Seguiram então até a arquibancada em frente à piscina. Enfileirados, acompanhados pelo som de uma bateria, entoaram alguns hinos. Garrafas de pinga lhes eram oferecidas - muitas vezes com insistência.


Ao ouvir gritos de ordem, caíram na água. Dois calouros relatam que, devido ao grande número de pessoas, aqueles que estavam na frente eram empurrados. Um estudante contou ter sido efetivamente jogado na água.
Ao tentar segurar na borda, apanhou com uma baqueta na cabeça. Chamado a depor novamente no ano passado, como testemunha de acusação, o aluno negou a versão. Disse não se lembrar de ter sido empurrado na piscina.


Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG55523-5990-247,00.html


A dor que não termina

Quatro anos depois, o processo que investiga a morte do calouro Edison durante o trote na USP foi suspenso

Ivan Padilla e Fábio Altman

Frederico Carlos Jaña Neto é formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a mais conceituada da América Latina. Tem 28 anos, é casado, brincalhão e popular entre os amigos. Aluno aplicado, terminará o último dos três anos de especialização em ortopedia no fim de fevereiro. No pronto-socorro e no ambulatório do Hospital das Clínicas, onde atende, muitos pacientes reconhecem suas feições, por tê-lo visto na televisão, e até lembram do nome do jovem médico. Alguns se recusam a consultar-se com ele. 'Perguntam se fui eu quem matou o calouro, querem saber como anda o caso', contou Frederico a ÉPOCA. 'Dou um sorriso amarelo, tento mudar de assunto. É uma situação constrangedora.'

Frederico carrega um estigma. Nascido na cidade de Crato, tinha na graduação o apelido de 'Ceará'. Para evitar a associação do estudante com a tragédia de ampla repercussão, colegas de classe e professores passaram a chamá-lo apenas pelo primeiro nome. Frederico é um dos quatro acusados pela morte de Edison Tsung Chi Hsueh - os outros três são Ary de Azevedo Marques Neto, Guilherme Novita Garcia e Luís Eduardo Passarelli Tirico, todos estudantes da Faculdade de Medicina na ocasião. Em 22 de fevereiro de 1999, o calouro Edison, então com 22 anos, comemorou o ingresso na instituição no trote aplicado pelos veteranos. No dia seguinte, seu corpo foi encontrado no fundo da piscina da Associação Atlética, o clube da faculdade.

Quatro anos após a morte de Edison, o processo contra os estudantes de medicina está longe de ser resolvido - e vive um momento especialmente complicado. No dia 19 de dezembro de 2002, o ministro Paulo Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça, enviou um telex ao desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, comunicando a suspensão da ação penal de número 230/99. A tramitação do processo ficará interrompida até o julgamento do mérito de três habeas corpus impetrados pelos defensores dos acusados, em que eles pedem o trancamento da ação penal por falta de provas.